Mário Paiva
Advogado[1]
Incrível como o impacto da
tecnologia no Direito causa perplexidade nos meios jurídicos vez que mesmo após
anos de estudo não conseguimos chegar a soluções satisfatórias que deem efetiva
segurança as partes envolvidas em questões judiciais decorrentes da utilização
dos meios informáticos dispostos no trabalho. Nesta reflexão encontra-se a
questão a respeito da possibilidade ou não do monitoramento pelo empregador do
correio eletrônico utilizado, no ambiente de trabalho, pelo empregado.
Consideramos um marco nestas
discussões o Congresso Internacional de Direito e Tecnologias da Informação
realizado em Brasília no Superior Tribunal de Justiça em outubro de 2002 pelo
Centro de Estudos Judiciários e onde proferimos a palestra “O Monitoramento do Correio Eletrônico no
ambiente de trabalho”[2],
artigo este citado na grande maioria dos estudos realizados no país sobre o
assunto inclusive pelo livro do ilustre Professor e Ministro do Tribunal
Superior do Trabalho Dr. Alexandre Agra Belmonte intitulado “O Monitoramento da Correspondência
Eletrônica nas relações de trabalho”[3]
Desde então durante esses mais
de 15 (quinze) anos de reflexão a doutrina e jurisprudência tem passado por
diversas, vamos dizer assim “ondas de
pensamento” que evoluem conforme o tempo. Inicialmente, as decisões
judiciais filiavam-se ao pensamento de que o correio eletrônico era inviolável
seja ele privado ou corporativo vez que sua proteção estaria presente em pactos
internacionais e em todas as Constituições democráticas no mundo. Após,
entendeu-se que correio eletrônico não era abarcado pela Constituição pois a
palavra correspondência, insertas nas Cartas Magnas e pactos internacionais, abrangia
apenas as correspondências físicas.
No entanto, estes pensamentos
sucumbiram para dar espaço a teses mais bem elaboradas que, em 2005, foram
sintetizadas em acórdão paradigma[4]
da lavra do Ministro João Oreste Dalazen do Tribunal Superior do Trabalho que
pontuou, exemplarmente, a questão afirmando que o e-mail pessoal seria inviolável pois tratava-se de sacrossanto
direito do cidadão a privacidade e ao sigilo de correspondência porém, o e-mail corporativo, não teria razoável
expectativa de privacidade e, portanto, o empregador poderia monitorar tanto
formalmente quanto o conteúdo das mensagens.
Em sendo assim, a doutrina e
jurisprudência seguiam e seguem neste sentido pacificando o entendimento com
algumas nuances que variam caso a caso como a de o trabalhador ser cientificado
previamente desta possibilidade de monitoramento, a de que o e-mail corporativo
não seja exaustivo e indiscriminado pelo empregador, que o simples manuseio
pelo empregado do correio eletrônico corporativo utilizado para fins particulares
não decorra necessariamente da aplicação de justa causa, que seja avaliado o número
de mensagens e conteúdo antes da aplicação de qualquer sansão disciplinar
etc...
No entanto, em setembro de 2017
o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em sua última instância e em decisão não
unânime, resolveu rediscutir a matéria e trouxe a baila a questão em julgamento
conhecido como Barbulescu versus Romênia
[5]afirmando
que a privacidade dos trabalhadores não pode ser reduzida a zero e que o chat (corporativo) colocado pela empresa
a disposição do engenheiro romeno não pode ser monitorado indiscriminadamente e,
além da obrigação das empresas de cientificar os funcionários quanto ao monitoramento,
estas não devem também acessar o conteúdo das mensagens mesmo que aquela chat seja corporativo e o empregado
tenha utilizado, em alguns momento, para fins particulares.
Com isso concluiu o Tribunal
Supranacional que o artigo 8ª da Convenção Europeia de Direitos Humanos deve
ser aplicado ainda que as comunicações feitas pelo empregado sejam particulares
e realizadas em ferramentas tecnológicas de propriedade do empregador, no
horário e local de trabalho devendo com isso serem respeitadas a vida privada e
o sigilo de correspondência dos envolvidos.
Por isso que, há duas décadas,
advertimos que é preciso que haja um melhor aprofundamento sobre estas questões
advindas do mundo virtual pois, no caso em comento, colocamos em xeque direitos
fundamentais como a honra, a imagem, propriedade, privacidade, inviolabilidade
de correspondência dentre outros e não podemos nos conformar que ao confrontar
estes direitos teríamos uma solução fácil que pacificaria todas as questões
envolvendo o monitoramento correio eletrônico do empregado pelo empregador.
Vale ressaltar que nossa legislação
foi entabulada por séculos em situações físicas e não foram preparadas para o
que chamo de “informatização do direito”. Institutos seculares e estudos
profícuos muitas vezes sequer servem de base para a solução que na maioria das
situações depende de conceitos e práticas totalmente novas desvinculadas de
qualquer tipo de direito ou norma vigente o que nos levou, à época, até mesmo a
cogitar que deveríamos criar uma espécie de Direito das Tecnologias da
Informação como um ramo específico e autônomo do direito para estudar o
assunto.
Por fim resta a nós alertar a
comunidade jurídica que muitos desafios ainda estão por vir e que necessitamos
levar estas questões de forma mais intensa para os bancos escolares através de cadeiras
especificas e obrigatórias nas universidades, congressos e conferências tendo
em vista que este tema dentre outros correlatos precisam de estudos mais
consistentes para assegurar tanto os profissionais de direito como os atores
sociais a terem mais garantias no momento da utilização dos meios tecnológicos
colocados a disposição pelo empregador para empregado no ambiente de trabalho
levando assim, a sociedade a uma maior segurança jurídica.
[1] Advogado militante em
Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da
OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará,
especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial
de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito
da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador
de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo
mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros
jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional.
Site:
www.mariopaiva.adv.br email: mariopaiva@mariopaiva.adv.br
[2] Conferência proferida no
“Congresso Internacional de Direito e Tecnologias da Informação” realizado pelo
Centro de Estudos Judiciários, nos dia 3 e 4 de outubro de 2002, no auditório
do Superior Tribunal de Justiça e publicado na Revista CEJ, Brasília, nº 19, p.
24-39, out/dez 2002.
[3] BELMONTE, Alexandre Agra.
O Monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho. Editora
Ltr, 2ª edição São Paulo.
[4]
TST-RR-613/2000-013-10-00, Rel. Min. João Oreste Dalazen, 1ª Turma, DJ de
10/06/05.
[5] Julgamento da Grande Câmara do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos no caso de Bărbulescu c. Roménia número de
pedido 61496/08